16 de novembro de 2009

Quando chove calmamente em minha alma


Era 13 de outubro de 2009. Do meu quarto em Saint Mary’s College, no estado da Califórnia nos Estados Unidos, onde estudo, uma chuva calma escurecia o horizonte e empapava a terra seca. A paisagem cinza despertou em mim uma estranha sensação de paz. Por um momento esqueci que o planeta era mais do que o jardim que meus olhos alcançavam e o barulho das gotas tocando as roseiras logo abaixo de minha janela. Entretanto, naquela manhã, quando acessei meu e-mail minha atenção se voltou completamente para o que li e aquele quimérico sentimento de paz desapareceu.

A mensagem de um tio sobre o comportamento de um primo meu que tem mais de 30 anos, mas que ainda se comporta como se fosse adolescente. Um longo texto de desabafo de uma amiga que depois de sete meses de namoro viu seu relacionamento desmoronar depois de uma discussão que para ela parecia banal. O sentimento de solidão de um amigo que mora em Brasília. Em minha mente aquela chuva suave imediatamente se transformou em um violento vendaval. A cada palavra que lia eu apenas me esforçava para compreender o que estava se passando com aquelas pessoas. Deixei o computador e fiquei por um tempo de pé contemplando a chuva que caia.

A Califórnia é uma região bastante seca e ameaçada pelo risco de incêndios que em poucos minutos tomam proporções gigantescas, por isso as pessoas ficam felizes quando chove. Em São Paulo, onde morei antes de vir para os Estados Unidos, quando chovia as pessoas classificavam o dia como “feio” ou “chato”. Novamente pensei sobre os problemas de meus amigos e concluí que nada nesta vida tem apenas um lado… Tanto um lado feio e chato quanto um bonito e agradável.

Não, eu não considero dramas familiares ou amorosos bonitos. Mas realmente aprecio as pessoas que conseguem vivenciá-los de modo maduro, mantendo abertos todos os canais possíveis de comunicação. E que mesmo quando discordam, não deixam de fazer o esforço de se colocarem no lugar do outro para compreendê-lo melhor.

Tudo tem mais de um lado. Os seres humanos são contraditórios. Mesmo namorados, que compartilham uma tarde agradável juntos, podem se desentender e colocar o relacionamento em risco em apenas poucos minutos. Uma palavra mal-dita, um sorriso mal interpretado, um olhar para o relógio compreendido como cansaço… Algumas vezes, o rapaz, que se arrumou cuidadosamente e levou flores para a namorada, pode em poucos minutos irritar-se e voltar chateado para casa.

Pessoas a quem amamos e por quem nos sentimos amados também podem nos ferir. Talvez elas sejam as que têm as armas mais ponderosas contra nós, porque é a elas que confiamos nossas fragilidades, nossos segredos e acima de tudo, é delas que dependemos para nos sentir amados e aceitos.

Em situações como esta nada mais eficaz que o tempo e também a capacidade de dialogar, de pedir desculpas, de expressar o quanto alguns comportamentos nos machucam e nos humilham. Se existir o diálogo, o problema provavelmente se resolverá o quando antes. Se em vez do diálogo tudo o que você conseguir for chamadas telefônicas não atendidas, e-mails não respondidos, como reflexo de um silêncio ensurdecedor, é muito provável que da tristeza você passe a experimentar raiva e depois da raiva, talvez, indiferença.

Eu gostaria de ter uma resposta mágica para este tipo de situação, mas a única coisa que me vem à mente é que tudo tem mais de um lado… Pessoas, instituições, pontos de vista…

Aqui em Saint Mary’s College continua chovendo, e sigo pensando no meu tio, nos meus amigos... Entretanto, quando chove calmamente em minha alma prefiro acreditar que as pessoas se esforçam para dar o melhor de si às outras e que algumas vezes elas simplesmente não sabem como fazê-lo... Sinta a chuva!

Por R. C. Amorim Neto
R. C. Amorim Neto é Mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo (2008). Especialista em Gestão Escolar (2006) e em Psicopedagogia  (2008).


Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Tem experiência na área de Educação, Filosofia, Pastoral Juvenil e Orientação Vocacional. Atualmente continua sua formação acadêmica em Saint Marys College of California, nos Estados Unidos.

5 comentários:

  1. Como sempre me sinto renovado com o seu artigo. Brilhante ao extremo. Parabéns

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  2. Este texto mostra tudo o q eu estou vivendo neste momento,muito profundo.

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  3. Essas palavras são a mais pura verdade, já me peguei várias vezes com esses pensamentos. Quando me vejo longe de minha família e dos amigos que aí (Esperantina) deixei, fico pensando nos acontecimentos vivenciados pelas pessoas e que muitos reclamam, mas é como o Roque escreveu:"nada mais eficaz que o tempo e também a capacidade de dialogar, de pedir desculpas, de expressar o quanto alguns comportamentos nos machucam e nos humilham", as pessoas esquecem que a vida é isso, vivenciar coisas boas e ruins, a vida não teria graça se não tivesse obstáculos, como podemos dizer que amadurecemos, se não os enfrentamos? Reflitam, fiquem na Paz...

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  4. analivia_001@hotmail.com17 de novembro de 2009 às 16:13

    Não deixe que os problemas lhe abale. Roque talvez não lembre mim, mais sou uma grande admiradora sua pela força e grande vontade para vencer. como diz a Biblia, "No mundo tereis afliçoes mas tende bom ânimo eu venci o mundo"

    Beijos,
    Socorrinho Aguiar - Esperantina_PI>

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  5. Muito bom esse artigo! Palavras sábias são músicas para os ouvidos!
    Continue nos envolvendo com sua sabedoria.
    Que Deus lhe abençoe mais e mais...
    Um abraço.

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